22 de maio de 2011

Erro de português

Oswald de Andrade brincou com essa ideia em um poema muito conhecido:

Erro de português

Quando o português chegou
debaixo duma bruta chuva
vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
o índio tinha despido
o português

Nos últimos dias, vários programas de TV e especialistas nos mais diferentes assuntos (quase sempre não em Língua Portuguesa ou Linguística) estão discutindo o caso do livro didático aprovado pelo MEC com "erro de português". O que mais me incomoda e impressiona nessas discussões é a construção da imagem de uma elite erudita, que falaria um português culto em oposição aos pobres, que, por falta de acesso a boas escolas, não dominariam essa outra língua, a correta. Mesmo os mais bem intencionados (e também os mal intencionados) tratam disso como se fosse óbvio, certo, e sempre defendendo que cabe à escola levar os estudantes a dominar essa norma culta. Não sei onde estariam essas pessoas, essa elite da língua, não sei onde é falada essa língua culta, antes uma ficção.

A exposição do Museu da Língua Portuguesa "O certo do errado e o errado do certo" (2010) ajuda muito a desfazer essa miragem, essa construção de um falar (ou escrever) elitista, que ergueria uma barreira nítida entre ricos e pobres. Não vejo, leio ou ouço essa língua por onde ando, seja na universidade pública, seja na privada, seja em colégios caros, seja em escolas públicas. A mídia está diariamente desmentindo essa ideia, é só ouvir os jornalistas falando ou observar as propagandas, mesmo de produtos caros, em tese, dirigidos a um público "culto" porque rico.

Por que não assumir que a língua é mais complexa do que essa separação de classes, de elite e dominados, de ricos e pobres? O tal manual didático, simplista, falho e autoritário como quase todos, não diz que o "erro" é certo, apenas admite em suas páginas outros falares e outras escritas que circulam diariamente em nosso cotidiano, sejamos da elite ou não. Qualquer falante de uma língua tem uma relação múltipla com suas possibilidades.

Parece mesmo que todos esses que emitem opiniões baseadas nessas dicotomias comentem o erro do português do poema oswaldiano, chegam sempre no dia de chuva e vestem a língua com suas camisas de força e seus uniformes sisudos. Mais uma vez Oswald: "A contribuição milionária de todos os erros".

Nenhum comentário:

Postar um comentário