14 de dezembro de 2011

Alegria

Este documentário é uma grande festa. Encontro de experimentadores como o entusiasmado e maravilhoso Tom Zé, ao lado de Júlio Medaglia, Arrigo Barnabé, Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos, Hermeto Pascoal, músico alagoano descrito por Medaglia como um bruxo deslumbrante. Reflexões importantíssimas para pensarmos a arte do nosso tempo e gravações raras de shows e entrevistas do acervo da TV Cultura. Dica de Ricardo Aleixo, que sempre nos faz pensar sobre sons e sentidos.


7 de dezembro de 2011

Hoje: 100 anos de Jorge Cooper


Deixo-me me levar hoje pelo ritmo da memória. Recupero imagens belas e comoventes de tardes de sábado na casa de Jorge Cooper. Conversas, leituras de poemas, o riso fácil do poeta,  o olhar vivo para tudo que falávamos ou mostrávamos a ele, o contraste entre a imobilidade de parte do corpo e a agitação das mãos longas, quando dizia algo. Alguém que manteve até o fim o entusiasmo pela vida, a disponibilidade para o diálogo. Saudades e alegria de ter vivido horas em tão rara companhia, em 1990, 1991, em sua casa, na qual ele, mesmo doente, recebia pessoas que partilhavam seu gosto pela poesia, ao lado da sua discreta e delicada estrela, para quem escreveu:


Se é certo que tem o homem
a vida ligada
a uma estrela
-- aquela mulher encarnava
a minha estrela
(Daí o medo sem-nome
que tinha eu de perdê-la)

-- Que morta ao homem
a sua estrela
torna-se o homem de todo infeliz
(Mais do que se morrera)

A memória é um dos temas centrais da sua poesia. Sobre as complexas relações que unem e separam viver, lembrar e contar, ele nos ensina em seu poema “Contrassenso”:

O que me acontece
e não digo
é como se não me tivesse acontecido

O contrário se me dá
se do que não acontece
falo
digo

Ou ainda no belo Poema II (do livro Os últimos):

À imortalidade
porque concedida
prefiro a encantação
por mim urdida

Faço-me encantar
dentro dos meus poemas
-- por toda a
e para além da vida

A poesia de Cooper vai abrindo espaço entre as palavras para o máximo de silêncio, resgatado na metáfora da garrafa vazia, no poema “Ricochete”:

A garrafa vazia
de tão limpa
deu-me a impressão de cheia d’água

-- Esse nada em minha vida ocorrida
dá-me hoje sua poesia em palavra 

Comovida, atendo ao seu pedido feito em versos, em “Poema” (do livro Os últimos IV):

Meus amigos
tenham saudades de mim
quando eu morrer

Tanta quanta a que
por antecipação
tenho eu de vocês
(morrerão vocês comigo
e viverei eu em vocês)

           Para citar outro Jorge, eu estou feliz porque também sou da sua companhia.

4 de novembro de 2011

Lúdico e Lúcido

Esse anagrama me ajuda a pensar o que pretendo quando leio, quando planejo as minhas aulas (que nunca são só minhas, são o que é possível no encontro incerto com o outro), quando escrevo. Fiquei muito impressionada com a fala de Viviane Mosé, no café filosófico. Indicação de Ondina Pena Pereira, que experimenta o pensamento em todos os sentidos, com todos os sentidos.  Vale apena ver este e todos os blocos desse Café Filsófico.



Lições de poesia, de filosofia, de pontos vários, sem a ilusão asfixiante de sentidos fixos, em movimento, à deriva, movimento contínuo em direção sem direção, busca da terceira margem, convite ao trânsito, sem âncoras ou porto.

30 de outubro de 2011

Das raízes para as rotas

Esta foi uma das sínteses feitas ontem  à noite, na Bienal do livro de Maceió, pelo pensador italiano Massimo Canevacci (que, aliás, refuta a definição por nacionalidade, pois se diz romano, brasileiro, algo chinês, múltiplo, híbrido, polifônico, marcado por todos os lugares onde andou e viveu). Ele propõe, entre muitas outras coisas, que deixemos de lado a miragem das origens, retomada pela metáfora gasta das raízes, e pensemos na imagem das rotas, convite para viagens.



Autor de livros como A cidade polifônica e Culturas eXtremas (cuja indicação devo a Gláucia Machado), Canevacci lançou ontem Fake in China, um relato superficial, como ele mesmo o descreve, da sua permanência de seis meses como professor em uma universidade privada chinesa. O título é referência e homenagem ao clássico filme de Orson Welles, F for fake.

Sua palestra começou às 20h30, em um espaço muito barulhento, mas, apesar das condições ambientais adversas, foi maravilhoso ouvir alguém que se pauta pela experimentação em suas pesquisas; alguém que pesquisa principalmente modos de pesquisar produções simbólicas que  problematizam radicalmente os consagrados/congelados modelos  acadêmicos. Um pesquisador em busca de novas rotas, que propõe aos que o ouvem não que o sigam, mas que empreendam também essa busca marcada pela deriva, pela errância.

Vale ainda lembrar que foi Sheila Canevacci, bailarina e pesquisadora, casada com Massimo, que desmontou a farsa de Mônica Serra, nas eleições acerca do aborto, ao dizer no Facebook que ficou chocada com a hipocrisia de Mônica, uma vez que a esposa do então candidato a presidente já havia partilhado em sala de aula na Unicamp, em que Sheila era aluna, a sua dolorosa experiência.

Um trecho de uma das muitas entrevistas de Canevacci (feita por Julia Aguiar, no Overmundo, que pode ser lida integralmente aqui):

No livro, A Cidade Polifônica, o senhor comenta a necessidade d’a gente entender “os valores e modelos de comportamento que a cidade inventa”. Você poderia explicar.

A cidade para mim é como se fosse um organismo subjetivo, vital, que absorve como uma esponja o que acontece e elabora a sua própria linguagem. Esse tipo de linguagem que a cidade, especialmente a área metropolitana elabora, influencia profundamente um tipo de comportamento das pessoas que moram nessa área metropolitana. Por isso, poderia se dizer que a linguagem da metrópole é baseada sobre lugares, espaços, e principalmente sobre interstícios, isto é, interstício, um espaço que está in between, que está entre, um espaço conhecido e um desconhecido. Esses interstícios, favorecem um tipo de linguagem, que é dialogicamente interlaçado com a linguagem do corpo. E a linguagem do corpo de cada pessoa, para mim, é muito diferenciada culturalmente e comunicacionalmente, mais que sociologicamente. Isto é, é mais uma auto-percepção comunicacional que diferencia essas pessoas que uma diferenciação sociológica. Esse tipo de diferenciação, baseada sobre um tipo de linguagem do corpo e o tipo de linguagem dos interstícios, favorece uma dialógica nova, baseada muito na hibridização e em sincretismos culturais, e sobre extrema mobilidade e fluidez. Essa mobilidade, fluidez e hibridização, é parte da experiência cultural, corporal, e também urbanística, da metrópole contemporânea. 

28 de setembro de 2011

Escrita não criativa e Bordado político

Kenneth Goldsmith, criador do UbuWeb, é entrevistado na ótima revista Select por  Giselle Beiguelman,  dois pesquisadores inquietos e surpreendentes pensando juntos. Kenneth fala sobre temas muito instigantes, como originalidade, plágio, incorporação, roubo, posse. O texto pensado de outros lugares. Relembro verso de Glauco Mattoso: "Ideia não tem dono, tem inquilino". 
Todos os textos de todos para todos, sem limites. Para pensar, para perder o medo de escrever nesse lugar, em que o texto se dispersa e o autor deixa de ser proprietário, para apagar a fronteira entre escrever e ler.
Dica, sempre bacana, de Tazio Zambi, nesta manhã nublada de quarta-feira.
Ainda na Select, que leio  de surpresa em surpresa nesta manhã, enquanto espero o sol para ir finalmente à praia.Bordado político, fios e tramas, várias e vários, nós, pontos, laçadas. vale a pena conhecer craftvismo, muito interessante. Eu pratico.



19 de setembro de 2011

A voz de Borges



O UBU,  o portal da alegria em suas linguagens mais experimentais e surpreendentes, traz agora a voz de Borges, apresentando suas belas palestras proferidas na universidade de Harvard. Elas fazem parte do projeto Norton lectures, instituído na década de 1920, que visa estimular a reflexão sobre "poetry in the broadest sense" (poesia em sentido amplo).   T.S. Eliot, e.e. cummings, John Cage, Umberto Eco, Octavio Paz, entre outros, também participaram desse projeto.
Borges esteve lá entre 1967-68. As suas palestras foram depois publicadas no livro maravilhoso Esse ofício do verso (Cia. das Letras, 2000). 
Aqui, no UBU, a voz de Borges, em inglês. É comovente.


Abaixo a primeira parte da última conferência que ele fez, em espanhol.



27 de agosto de 2011

Volta

Volto ao tema da educação, do qual nunca saio na verdade. Às vezes, dando voltas, como em uma brincadeira de roda, as melhores vezes; outras, voltando às velhas insatisfações, as piores vezes.
Agora volto ao blog e ao tema porque esta semana participei mais uma vez da formatura do curso de letras. E sempre fico pensando em tudo que vivi e vivo na área. O dois perigos que tento evitar, por mim e pelos outros: 1. a cela de aula, em que o autoritarismo planta o medo e paralisa qualquer possibilidade de experimentar e inventar o que estudamos; e 2. a sonífera aula, em que o medo é substituído pelo tédio e é também Medusa que petrifica. Prefiro as sandálias de Perseu, que nos levam para outros ângulos e nos tornam mais leves.
Encontrei dois vídeos interessantes sobre o tema, hoje, quando ainda estou sob o efeito  (bom e ruim) desta semana e desses anos de docência. São curtos, divertidos, instigantes, como penso devem ser as melhores aulas, ou seja, são pouco parecidos com o estereótipo de aula e escola que conhecemos.



27 de julho de 2011

Acesso ao livro no Brasil

Em todas as pesquisas sobre leitura no Brasil, os dados mostram que avançamos lentamente nessa área. Quase sempre a escola é considerada a responsável pelo reduzido número de leitores. Raramente são levadas em consideração as condições de acesso ao objeto livro, como a ausência ou abandono de bibliotecas municipais e estaduais em diversas cidades brasileiras. Agora, os dados mostram que os leitores de livros digitais também são poucos no País, devido à internet, lenta e cara, e ao preço dos tablets, ou seja, devido aos mesmos problemas que são a causa do pequeno número de leitores de livros impressos: precárias condições materiais de acesso à leitura. Na revista Carta Capital, há uma matéria sobre o 2o. Congresso Internacional do Livro Digital, que começou ontem em São Paulo.

2 de julho de 2011

Contra o monopólio da informação no Brasil

A UNESCO realizou importante pesquisa sobre o monopólio dos meios de comunicação no Brasil, um dos maiores e mais assustadores do mundo. Para ler o documento e conhecer em detalhe os dados, é só clicar aqui

29 de junho de 2011

Ao Maior


No dia de São Pedro, há 60 anos, nasceu Glauco Mattoso (que na certidão é Pedro, em homenagem ao santo do dia), genial poeta, ensaísta, contista, romancista, tradutor... Em todos esses anos de produção surpreendente, Glauco trouxe alegria em diversas formas e suportes para muitos leitores e leitoras.

Conhecer a poesia de Glauco foi e continua sendo uma das grandes aventuras da minha vida de leituras. Conhecer Glauco foi uma das alegrias que continuo comemorando. Para ler (quase) tudo desse escritor inventivo, clique aqui

Que venham muitos outros anos para alegria geral!

20 de junho de 2011

Em Belo Horizonte

Vontade enorme de ir a Belo Horizonte participar da próxima edição do projeto interessantíssimo Sentimentos do Mundo, que reúne no dia 22 de junho, poetas e pesquisadores para celebrar a poesia em suas diversas formas e propostas.
Os poetas Ricardo Aleixo e Marcelo Dolabela estarão no palco.
Serão apresentados por Gláucia Machado.
Encontro de amigos e poetas.
Festa para a poesia.


19 de junho de 2011

Com nostalgia

Ontem, Lucas Santtana, músico baiano, esteve num palco de Maceió, por uns breves momentos. Fomos, Tazio, Duda e eu, ao Maikai, na esperança de assistir a um show bacana. Antes, uma banda de forró, desse forró que chamam (não sei bem o motivo) de universitário. Fumaça por todo lado e a dificuldade de comprar uma bebida, incompreensível em um lugar caro, pois diminui o lucro da casa. Difícil também aguentar até a chegada de Wado e Lucas. Wado mostrou alguns dos últimos e dos antigos sucessos. Depois, finalmente, um pouco (muito pouco) de Lucas Santtana, que fez um disco excelente chamado "Sem nostalgia", com o auxílio luxuoso de Arto Lindsay e de outras parcerias (para saber mais, clique aqui). Ano passado, ele esteve no palco do Rec Beat. Foi um grande prazer ouvi-lo por lá, em condições bem melhores, apesar de o show ter sido em um espaço aberto e fazer parte da programação de um megaevento chamado carnaval. Saudade do profissionalismo do Recife, uma cidade muito mais aberta à arte, um lugar que trata melhor o artista e o público.
Um pouco do trabalho do Lucas para animar este domingo.


15 de junho de 2011

Celebridade

Por que Slavoj Zizek faz tanto sucesso no Brasil? As palestras provocam reações descontroladas, a plateia grita, se exalta. Tudo é tão contrário à ideia de debate de ideias, da busca de compreensão do mundo contemporâneo, complexo, contraditório, movente.
Zizek, dramático, com péssima dicção, cheio de tiques nervosos, sabe como provocar esse frenesi, ele é uma celebridade acadêmica, reconhecida pela classe média universitária em vários lugares do mundo. Suas palestras estão pontuadas de várias afirmações, repetidas à exaustão que têm potencial, pois seguem a sintaxe do discurso de passeata, para se transformar em palavras de ordem. Além disso, os temas são sempre os da moda, agora, a onda ecológica engole tudo, e lixo e luxo se confundem, mesclados aos clichês de sempre. Se o mundo acadêmico tivesse uma revista Caras, ele seria capa várias vezes.Não sei se isso se reflete na venda e leitura dos seus livros. Talvez na venda, que, afinal, é o que importa.
Fico impressionada com a repercussão de sua passagem pelo Brasil. Explica um pouco esse fenômeno o nosso atávico deslumbramento por tudo que é estrangeiro. Ele não fala a nossa língua, o que acentua a aura de que tem algo a nos ensinar, já que as línguas do conhecimento são outras. Vem de um mundo que parece distante, e é autorizado a fornecer modelos de compreensão para o Brasil. Este texto, nos ajuda a entender um pouco melhor esse "radical pop":
http://www.bresserpereira.org.br/Terceiros/2011/11.05.Radical_pop.pdf
Longe de mim alimentar a xenofobia, mas um pouco de atenção ao que é produzido aqui, por intelectuais muito representativos mas menos midiáticos, seria interessante.

13 de junho de 2011

Santo Antônio



13 de junho, dia de celebrar Santo Antônio, um dos mais populares santos do Brasil. Em muitas cidades brasileiras, hoje, tem procissão, missa, festa. Fernando Pessoa era Fernando Antônio por ter nascido no dia desse santo português que pertencia à ordem dos franciscanos. Vieira, que também era Antônio, dedicou a esse santo alguns belos sermões.

"Pregava Santo António em Itália na cidade de Arimino, contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a se levantar contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia fazer esta protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra não tinham que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava e eles ouviam." (Pe. Antonio Vieira. Sermão de Santo Antonio aos peixes, 1654).

Aniversário

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

[473]

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...



10 de junho de 2011

Pra comemorar

Márcia Castro, uma cantora baiana muito bacana, que faz misturas, pois sabe que o Brasil é um mosaico movediço, assim como Nação Zumbi. Eles animam qualquer festa. Por que é sexta-feira. Porque a leveza venceu o mau humor.



9 de junho de 2011

Humor gráfico

Entrevista maravilhosa com Quino, artista argentino, que, entre outras alegrias, nos deu Mafalda. Lição de leveza e crítica inteligente.

7 de junho de 2011

Poema para Galileu

Escrito pelo poeta português António Gedeão (pseudônimo de Rômulo de Carvalho), para resistirmos à história única, à imposição de um sentido fechado para o mundo múltiplo e diverso. Aqui, podemos ouvir o poeta lendo seu poema.

Poema para Galileu

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.

Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileu! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios).

Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileu Galilei!

Olha. Sabes? Lá na Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileu,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileu!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileu?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileu,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um guiso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.

Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando um perigo
para a Humanidade
e para a civilização.

Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas – parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.

E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.

E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma

Ai, Galileu!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andava a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.

Tu é que sabias, Galileu Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.

Por isso, estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão direta dos quadrados dos tempos.

2 de junho de 2011

Um poema

MADRIGAL MELANCÓLICO
--------------------Manuel Bandeira


O que eu adoro em ti
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.

A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento.
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.

O que eu adoro em ti – lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti é a vida.


Bandeira, Manuel, "Madrigal Melancólico", in Poesia Completa e Prosa (Nova Aguilar, 1993).

29 de maio de 2011

Mais mortes anunciadas



José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, ativistas contra o desmatamento no Brasil, foram assassinados este mês no Pará. Eles recorreram várias vezes à polícia, para denunciar as ameaças que recebiam e pedir proteção, que nunca chegou. Há cerca de seis meses, ele havia gravado um depoimento comovente. Para assistir, clique aqui. Para saber mais, aqui
Este episódio triste tem ainda uma página mais deprimente: quando os assassinatos foram anunciados na Câmara dos Deputados, parte da bancada ruralista vaiou. É terrível, absurdo, evoca até um clichê: não tenho palavras para dizer da minha indignação.

25 de maio de 2011

Remixofagia: alegorias de uma revolução

Saiu ontem este vídeo assinado por Cláudio Prado, em conjunto com outros militantes sérios da cultura digital. Discutir com criatividade, leveza, consistência, multiplicidade. O que podemos aprender, o que devemos resgatar das conquistas dos últimos anos, no governo Lula, que a atual direção do MinC está destruindo.

Remixofagia - Alegorias de uma revolução from FLi Multimídia on Vimeo.

Para dançar

Luiz Melodia, sempre bom de ver, ouvir, cantar, dançar. Aqui cantando Dama Ideal. Uma delícia.



Outra delícia: os Novos Baianos cantando o grande Assis Valente:

22 de maio de 2011

Erro de português

Oswald de Andrade brincou com essa ideia em um poema muito conhecido:

Erro de português

Quando o português chegou
debaixo duma bruta chuva
vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
o índio tinha despido
o português

Nos últimos dias, vários programas de TV e especialistas nos mais diferentes assuntos (quase sempre não em Língua Portuguesa ou Linguística) estão discutindo o caso do livro didático aprovado pelo MEC com "erro de português". O que mais me incomoda e impressiona nessas discussões é a construção da imagem de uma elite erudita, que falaria um português culto em oposição aos pobres, que, por falta de acesso a boas escolas, não dominariam essa outra língua, a correta. Mesmo os mais bem intencionados (e também os mal intencionados) tratam disso como se fosse óbvio, certo, e sempre defendendo que cabe à escola levar os estudantes a dominar essa norma culta. Não sei onde estariam essas pessoas, essa elite da língua, não sei onde é falada essa língua culta, antes uma ficção.

A exposição do Museu da Língua Portuguesa "O certo do errado e o errado do certo" (2010) ajuda muito a desfazer essa miragem, essa construção de um falar (ou escrever) elitista, que ergueria uma barreira nítida entre ricos e pobres. Não vejo, leio ou ouço essa língua por onde ando, seja na universidade pública, seja na privada, seja em colégios caros, seja em escolas públicas. A mídia está diariamente desmentindo essa ideia, é só ouvir os jornalistas falando ou observar as propagandas, mesmo de produtos caros, em tese, dirigidos a um público "culto" porque rico.

Por que não assumir que a língua é mais complexa do que essa separação de classes, de elite e dominados, de ricos e pobres? O tal manual didático, simplista, falho e autoritário como quase todos, não diz que o "erro" é certo, apenas admite em suas páginas outros falares e outras escritas que circulam diariamente em nosso cotidiano, sejamos da elite ou não. Qualquer falante de uma língua tem uma relação múltipla com suas possibilidades.

Parece mesmo que todos esses que emitem opiniões baseadas nessas dicotomias comentem o erro do português do poema oswaldiano, chegam sempre no dia de chuva e vestem a língua com suas camisas de força e seus uniformes sisudos. Mais uma vez Oswald: "A contribuição milionária de todos os erros".

20 de maio de 2011

Educação e diferença

Reproduzo parte da matéria que saiu no G1 (para ler a matéria toda, é só clicar aqui) sobre manifestação do movimento de surdos por maior e melhor acesso à educação. Quem me mandou um link foi Magda Souto, uma querida prima que, a despeito da impossíbilidade de ouvir, já concluiu dois cursos, Pedagogia e Letras -Libras. Mas se trata ainda, infelizmente, de uma exceção, pois a maioria dos surdos, às vezes, não consegue sequer terminar o ensino médio, o que dificulta, quando não impede, a entrada no mercado de trabalho.


Manifestantes defendem educação especial pata deficientes auditivos

Representantes de associação se reuniram com o ministro da Educação.
Eles querem escola que use linguagem de sinais como principal 'idioma'.

Tiago FalqueiroDo G1, em Brasília

Um grupo de aproximadamente 500 manifestantes protestou em frente ao Ministério da Educação nesta quinta-feira (19) contra a intenção do governo federal de fechar as escolas especiais e incluir os portadores de necessidades especiais, como cegos e surdos, em escolas regulares. Uma comissão formada por dirigentes de associações de deficientes visuais e auditivos foi recebida pelo ministro Fernando Haddad.

Os manifestantes querem a incorporação dos programas de educação inclusiva à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). Em nota, o MEC disse que "o ministro da Educação, Fernando Haddad não pretende encerrar as atividades de nenhuma instituição ou escola destinada a estudantes com deficiência". Ainda segundo a nota, "o ministro ressaltou que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU, 2006) e deve ofertar o direito a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis. O acordo estabelece o compromisso dos Estados Partes com a adoção de medidas de apoio necessárias no âmbito da educação regular".

Manifestação em Brasília por educação para portadores de deficiência auditiva (Foto: Wilson Dias/ABr)Manifestação em Brasília por educação para portadores de deficiência auditiva (Foto: Wilson Dias/ABr)

Participaram do encontro com Haddad representantes da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), do Instituto Nacional de Educação dos Surdos (Ines) e do Centro de Integração de Arte e Cultura de Surdos (Ciacs).

Em seguida, os manifestantes seguiram para o Congresso Nacional, onde iam se reunir com uma comissão de senadores. Paulo Vieira, presidente da Associação de Surdos de São Paulo, classificou a reunião como "difícil". "Existe um obstáculo muito grande para que eles entendam nossa posição. Não adianta dar um curso de 40 horas de língua de sinais os professores consigam receber alunos surdos e ouvintes na mesma sala", defende.

Nidia Regina Sá, professora da Universidade Federal do Amazonas, que acompanhava o movimento, pede mudanças no Plano Nacional de Educação. Segunda a acadêmica, termos como escola especial foram banidos do documento. "Eles querem transformar as escolas especiais em centros que prestam atendimento especializado, como fonoaudióloga, o que não é suficiente", afirma Nídia.

Para os surdos, os manifestantes defendem que há uma cultura própria, e que a primeira língua deles é Língua Brasileira dos Sinais (Libras). "Precisamos de escolas bilíngues, que ensinem o português a partir da Libras, como um índio, que tem outra língua materna e vai estudar depois", desta Paulo Vieira. O manifestante ainda lembrou para os perigos de se incluir crianças que não estão preparadas para o convívio dentro de uma escola regular.

16 de maio de 2011

Coisas cultivadas


Cultivar e costurar são verbos divertidos. Aqui em casa, costurar é trabalho de feriado e fim de semana, quando possível. Todo dia é dia de cultivar. De manhã, sempre, uma passeio rápido pelo jardim, para mantê-lo alegrando a casa, com suas cores e sabores.








Dessas atividades, duas fotos: a orquídea e a blusa que fiz para Ondina, em seu aniversário.

13 de maio de 2011

Para não esquecer

Reproduzo abaixo um texto de Luiza Bairros, ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.

A pobreza e a cor da pobreza

LUIZA BAIRROS, na Folha de S. Paulo, em 13.05.2011

Os negros têm a oferecer suas estratégias de resistência ao racismo, que, desde o período colonial, interpôs obstáculos à afirmação da humanidade

Em “Leite Derramado”, mais recente romance de Chico Buarque, há um personagem que, ao se referir com ironia ao radicalismo de seu avô abolicionista, afirma que ele “queria mandar todos os pretos brasileiros de volta para a África”.

Nessa visão, abolicionismo radical equivalia a se livrar dos negros. De todo modo, após 1888, as elites brasileiras irão se comportar como se os libertos, que as serviram por quase quatro séculos, não estivessem mais aqui. Mas estavam, e por sua própria conta.

No início do século 20, eram frequentes os prognósticos sobre o desaparecimento da população negra, que supostamente não sobreviveria ao século.

Ao mesmo tempo em que se criticavam as soluções de laboratório defendidas pelo ideário eugenista, em voga aqui e em muitos países, também se apostava no embranquecimento via miscigenação.

Mais tarde, ao se debruçar sobre os resultados do Censo de 1940, Guerreiro Ramos considerou “patológico” o desequilíbrio nas respostas ao quesito cor, tendentes, em sua esmagadora maioria, a sobrevalorizar a cor branca.

Na contramão dessa tendência, os dados censitários de 2010, há pouco divulgados, confirmam o que já se delineava no Censo de 2001: iniciativas de valorização da identidade, com origem nos movimentos negros e hoje em processo de institucionalização, asseguraram a maioria negra em uma população que ultrapassa 190 milhões de brasileiros.

Nesse longo percurso de afirmação, as mudanças não se limitaram a uma percepção de si mais positiva, exclusiva dos afro-brasileiros.

A consciência negra avançou em conexão íntima com a consciência social como um todo. Não se trata, portanto, da mera substituição de um segmento populacional dominante por outro, mas do reconhecimento de que os valores do pluralismo ajudam em muito a consolidar nosso processo democrático.

Contudo, ainda persistem dificuldades a serem enfrentadas.

Hoje, temos uma sólida base de dados, que mostra reiteradamente que mulheres e homens negros estão entre os brasileiros mais vulneráveis, numa proporção muito maior do que sua presença relativa na população total.

Por isso, a priorização da erradicação da pobreza extrema pelo governo da presidenta Dilma abre possibilidades inéditas de abordar rica e diversificada experiência humana, que ainda precisa ser considerada em toda a sua amplitude.

O sucesso das iniciativas de combate à pobreza extrema requer a reversão de imagens negativas, a superação de práticas discriminatórias e o redimensionamento dos valores de cultura e civilização que, afinal, contra todas as expectativas, garantiram a continuidade dos descendentes de africanos no país.

Quando o assunto é superação da pobreza extrema, é justo supor que os negros tenham algo a dizer.

Segmentos empobrecidos de outros grupos raciais também o terão, é certo. Mas os negros têm a oferecer suas estratégias de resistência ao racismo, que, desde o período colonial, interpôs obstáculos ideológicos e culturais à afirmação plena de sua humanidade -a base das desigualdades de renda e de oportunidades que ainda vivenciam.

Assim, no atendimento a direitos básicos que articulam renda, acesso a serviços e inclusão produtiva, é preciso tornar visíveis e valorizar dimensões da pessoa e do universo afro-brasileiro que desempenham papel decisivo na conquista da autonomia. Todos somos humanos, e a resistência aos processos desumanizadores do racismo é, de longe, a maior contribuição dos negros à cultura brasileira.

*LUIZA BAIRROS é ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.