28 de novembro de 2010

O Rio de Janeiro fevereiro e março (e novembro)

Quando a mídia fala em guerra no Rio, dando close nos mortos e culpando os morros, a antropóloga Ondina Pena Pereira, de Brasília, me envia o excelente texto de Luiz Eduardo Soares, "A crise do Rio e o pastiche midiático". Luiz Eduardo, autor de vários livros, transita pela antropologia, pela literatura, pelo direito. Amanhã às 22h, ele estará no programa Roda Viva, da TV Cultura, quase insuportável depois que passou a ser dirigido por Marília Gabriela.
Por coincidência, também hoje li entrevistas do geógrafo Milton Santos, reunidas pela Azougue Editorial em uma coleção chamada Encontros. Ele nos fala da violência da mídia; do projeto da classe média em preservar privilégios, ao invés de conquistar direitos; do macaqueamento dos modelos europeus ou americanos feito pela universidade brasileira que, em sua maioria, trocou a reflexão pelo carreirismo; da necessidade de aprendermos com os que habitam as cidades de outras formas, em especial, os pobres que diariamente inventam novos modos de troca, resistência, diversão.
Por que vamos comprar a visão que o Leblon tem do Rio? Como ensina Milton Santos, é preciso pensar por que reduzimos a maioria da população à noção de periferia. No mínimo, ela, a periferia, redefine o que chamamos presunçosamente de centro ou, pior, de bairros nobres.

20 de novembro de 2010

Pra quem sabe onde é Luanda

Relembrar em conjunto, esse é o sentido primeiro da palavra comemoração. Ontem, show de Rita Ribeiro. Dançante. Comemoração da Semana da Consciência Negra. Ela, comovida por estar na terra de Zumbi dos Palmares.
Quando aqui ainda era o sul da capitania de Pernambuco, chegaram os primeiros escravos. Essa história triste começou nesta terra, Gil errou quando escreveu que foi na Bahia o primeiro pelourinho. Mas, generosos e inventivos, os escravos que desembarcaram trouxeram grandes maravilhas. Muitos descendentes de Zumbi que resistiram às péssimas condições de vida fizeram deste país um lugar possível e supreendente. De Pernambuco, vem a beleza e o canto de Lia de Itamaracá. De Alagoas, Djavan.
Procuro alguma imagem ou música, para comemorar (n)este dia, e me perco em um labirinto de milreferências, caminhos para percorrer dançando, lendo, ouvindo, rindo, chorando... Escolho dançar. Vá de clique em clique em cima dos nomes: roteiro para festas. Itamar Assumpção, sempre bom de ouvir, de ver. Aqui, Itamar cantando Tim Maia, outro artista genial. Depois, Jorge Benjor com Mano Brown, celebrando um grande jogador africano: Umbabarauma, homem-gol. Daí para LUiZ MELoDIA e Naná Vasconcelos é só mais um passo animado. Jards Macalé, que toca todo dia na vitrola desta casa, também entra na festa. Elza Soares, alegria, alegria! No embalo do samba, Bezerra da Silva, humor & inteligência. E o mais elegante dos cantores brasileiros: Paulinho da Viola. Tem sempre espaço na Van pra Ed Mota. Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga, dois grandes que animam qualquer festa. Chico Science, que entendeu bem a Nação Zumbi. Faltaram mais uns zil artistas, mas tenho que acabar a postagem e tomar café. Gilberto Gil e Macaco Bong, "pra afugentar o inferno pra outro lugar".

19 de novembro de 2010

Porque é sexta-feira



Cérebro eletrônico
Gilberto Gil

O cérebro eletrônico faz tudo
Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo

O cérebro eletrônico comanda
Manda e desmanda
Ele é quem manda
Mas ele não anda

Só eu posso pensar
Se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar
Quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões
De carne e osso
Eu falo e ouço. Hum

Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro por que
Porque sou vivo
Vivo pra cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte
Porque sou vivo
Sou muito vivo e sei

Que a morte é nosso impulso primitivo e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
Com seus botões de ferro e seus
Olhos de vidro

18 de novembro de 2010

Público X Publicado

Michel Maffesoli, sociólogo francês, em seu livro Saturação, disponível no site do Observatório do Itaú Cultural, distingue "opinião pública" de "opinião publicada": "[...] nos dias de hoje, confunde-se opinião pública com opinião publicada. Esta (a publicada) não deixa de ser uma opinião, mas pretende ser um saber, uma competência, até mesmo uma ciência, ao passo que aquela (a pública) tem consciência de sua fragilidade, de sua versatilidade, em suma, de sua humanidade" (2010, p.20). Cito este trecho para pontuar a discussão que se abriu na última eleição, e que segue caminhos muito tortuosos, sobre a mídia no Brasil.

O último episódio da (con)fusão entre público e publicado no Brasil (particularmente grave devido ao monopólio no setor de comunicação) é a abertura do processo contra a presidente eleita Dilma Rousseff, que, nos anos 1970, então com 20 anos, foi presa e torturada pela ditadura militar. O jornal Folha de São Paulo solicitou a abertura, antes da votação do segundo turno. Conseguiu agora. Por que o mesmo jornal, que apoiou a ditadura, não luta para divulgar os nomes dos torturadores? Por que faz uma campanha que autoriza a ditadura, vendo-a como critério de verdade, e não como algo que deve ser criticado duramente? Vários textos discutiram essas questões, no blog de Azenha (Viomundo), no de Emir Sader (Carta Maior), no da revista Carta Capital... É deplorável a postura da maior parte da imprensa brasileira, em especial, de um jornal que trabalha sistematicamente para impedir qualquer debate pautado na reflexão e na tolerância.
É bom lembrar: eles são apenas a opinião publicada, a partir de claros interesses econômicos e políticos, não podem ser confundidos com a opinião pública.

15 de novembro de 2010

Futurível

É o nome do show que aconteceu ontem e já faz parte da história dos encontros entre gerações e artes no Brasil.
Veja fotos e saiba mais AQUI
e AQUI

Trecho do release oficial:
O espetáculo Futurivel celebra o encerramento do Fórum Internacional Geopolítica da Cultura e da Tecnologia, que se realiza na Cinemateca Brasileira do dia 11 ao dia 13 de Novembro, com curadoria de Gilberto Gil e Laymert Garcia dos Santos. Futurivel é simultaneamente a abertura do ll Fórum da Cultura Digital Brasileira, que se realiza na Cinemateca Brasileira de 15 a 17 de Novembro de 2010.

14 de novembro de 2010

Agora mesmo

Futurível. Invenção da TV para todos por todos.

12 de novembro de 2010

Antológico

Um dos momentos mais comoventes e significativos de trânsitos culturais: concerto do ministro Gilberto Gil na sede da Organização das Nações Unidas, em 21 de setembro de 2003, em Nova York; homenagem aos funcionários das Nações Unidas mortos em atentado em Bagdá. Tocando bongo: Kofi Annan, diplomata de Gana e à epoca secretário geral da ONU. Nobel da Paz 2001.
Da África, passando pelo Brasil, para o mundo, a lição: não há conserto, há concerto ou não faça guerra, faça festa.



A passagem de Gilberto Gil, um artista negro baiano, pelo Ministério da Cultura abriu um novo tempo no modo de pensar as complexas relações entre cultura e Estado no Brasil, em diálogo criativo com diversos outros campos.

Esta semana, a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Alagoas e o Observatório Itaú Cultural, com o apoio do SESI, realizaram em Maceió um evento muito significativo:o Curso de Gestão e Políticas Públicas. Pessoas das mais diversas perspectivas e áreas (pública, privada, produção, gestão, pesquisa) debateram o tema com leveza e consistência.

9 de novembro de 2010

Antídoto

Substância ou mistura que neutraliza os efeitos de um veneno.

Contra o preconceito, a alegria em forma de música, na voz de Bellô Velloso. Contra a nordestinofobia. Do cancioneiro popular, um coco de roda:

Eu trabalho o ano inteiro
na estiva de Sâo Paulo
Só pra passar fevereiro
em Santo Amaro

Depois, um pedido de proteção a Oxum, mãe das águas doces. Para celebrar:

5 de novembro de 2010

Célestin Monga

Célestin Monga, uma voz que nos vem de Camarões. Escritor, economista, um dos mais influentes pensadores africanos da atualidade, Monga esteve recentemente no Brasil, para lançar seu livro Niilismo e negritude: as artes de viver na África. Sem perder o belo sorriso, fala-nos, nesta entrevista para o programa Milênio (Globo News), sobre muito do que aproxima o Brasil dos mais de cinquenta países da África e das múltiplas formas que assume a negritude. Modos de evitar o que Chimamanda Adichie, escritora nigeriana, chama de "o perigo da história única".

4 de novembro de 2010

Leveza e Consistência

Abaixo, estão alguns trechos de um texto maravilhoso escrito por Rodrigo Nunes, publicado originalmente em 25 de outubro de 2010, no Blog de Emir Sader, Carta Maior, no qual está o texto completo. É uma reflexão séria feita com elegância. É também uma resposta para todos que disseminaram ódio, nas eleições e no período após a vitória de Dilma.

O maiô de Dona Marisa, ou: quem são os verdadeiros jecas do Brasil?

Rodrigo Nunes

Tendo recebido uma bolsa de estudos no exterior, passei quase todo o governo Lula distante do Brasil. Antes de meu retorno, no ano passado, minha única vinda ao Brasil desde 2003 fora por um mês, em janeiro de 2005. Num dos poucos momentos que tive na frente da televisão, acabei assistindo um programa (bastante conhecido) onde se discutiam os destaques do ano anterior. Muita coisa aconteceu em 2004, no Brasil e no exterior, mas uma das apresentadoras do programa optou por destacar “o maiôzinho da Dona Marisa”. Com tantos estilistas brasileiros de renome internacional, se perguntava, como pode a esposa do presidente usar uma coisinha tão jeca? Não foi nem a irrelevância da escolha, nem o comentário, mas o tom que mais me chamou a atenção: o desdém que não fazia o menor esforço em disfarçar-se, a condescendência de quem se sabe tão mais e melhor que o outro, que o afirma abertamente.

Veio-me imediatamente uma piada corrente durante as eleições de 1989, quando pela primeira vez Lula ameaçara chegar ao poder. Ele e Dona Marisa passam pela frente do Palácio Alvorada, e Lula diz a ela, “É aqui que vamos morar”; ao que Dona Marisa responde, “Ai, Lula, não! Essas janelas vão dar muito trabalho para limpar”. A piada explica tudo: no Brasil, uma camada da população tem sua superioridade sobre a outra tão garantida, que não vê necessidade de dissimular essa distância, mesmo em público. Ser ou não primeira-dama, aqui, é secundário; pode-se rir na TV da “jequice” de Dona Marisa do mesmo modo em que se faz troça do perfume que põe a empregada quando termina o trabalho, e pelo mesmo motivo – porque a patroa pode, e a subalterna, não.

Um mau momento de má televisão teve, para mim, a força de várias revelações. Em primeiro lugar, sobre o país em que eu então vivia, a Inglaterra. Um comentário desses, lá, receberia condenação pública. Alguém certamente acionaria o Ofcom, órgão que fiscaliza a imprensa, para exigir providências. Se fosse na BBC, rede pública de TV e rádio, talvez o autor fosse demitido. Não por atentar contra a esposa de uma autoridade, ou essa bizarra “liturgia do cargo” que a cada tanto se invoca no Brasil, mas por ser uma manifestação pública de preconceito. O quê tem a ensinar o livre exercício desse preconceito sobre o Brasil? O quê tem a ver com a grita (“Estalinismo! Chavismo! Retrocesso!”) cada vez que se fala em fiscalização da mídia, coisa corriqueira naqueles países (Reino Unido, Suécia, Portugal, EUA...) em que nossa elite não cansa de querer espelhar-se; e que, até hoje, pouquíssimas sejam as instituições brasileiras públicas que se comparem, em qualidade de serviço, a uma BBC?

Nos anos 70, Edmar Bacha popularizou o termo “Belíndia” como descrição do país: um pouco de Bélgica e muito de Índia, o Brasil era muito rico para poucos e muito pobre para muitos. A auto-imagem que mantém os habitantes de nossa “Bélgica” consiste em ver os dois lados da moeda sem sua conexão necessária. Para esses, o verdadeiro Brasil é o deles – branco, remediado, educado. A “Índia” sem lei do lado de fora dos muros não somente existe por si só, sem nenhuma relação causal com a riqueza do lado de dentro, como é aquilo que atrasa o país; não fosse a plebe, já seríamos Bélgica, ou seja, já não seríamos principalmente Índia. A pobreza dos pobres não resulta da má distribuição da riqueza que se gera, pelo contrário: os pobres são culpados de sua própria pobreza. Mais do que isso, o potencial sub-aproveitado do país nada tem a ver com o a maioria da população ser sistematicamente excluída na educação, nos direitos, na renda; pelo contrário, “é por conta desse povinho que o país não vai para a frente”.

Essa é a cara de uma elite pós-colonial: crê-se um ser estranho na geléia geral da colônia, padecendo num purgatório de nativos indolentes e enfermidades tropicais. Comporta-se todo o tempo como se ainda tivesse a caravela estacionada ali na costa, pronta para zarpar de volta à metrópole. Mas sofre mais ainda porque, não muito no fundo, sabe que não pode voltar, e que chegando lá será apenas mais um subdesenvolvido, um imigrante, um “moreninho”, um jeca. Parte de sua truculência vem de saber que jamais será aquilo que quer ver no espelho, e que aquilo que menos quer ser é o que realmente é; de precisar provar para si que é diferente de quem exclui e discrimina, já que nunca será igual a quem gostaria de ser.

[...]

Talvez seja apenas no momento em que a Europa regride que a elite brasileira poderá, enfim, realizar seu sonho: juntar-se a seus “iguais” de ultramar na vanguarda de um retrocesso que mobiliza o medo e o reacionarismo mais rasteiro contra direitos e instituições historicamente conquistados. Afinal, a “lavagem de votos” da extrema-direita, pela qual o centro dá uma cara “respeitável” ao conservadorismo “selvagem”, tornou-se o maior negócio político de nossos tempos. (Quem sabe mesmo, agora, a extrema-direita comece a prescindir de intermediários: ver o PVV de Geert Wilders na Holanda.)

Rasgada a fantasia, fica tudo claro. Quem quer Estado apenas na medida em que este garante privilégios; quem tira os sapatos no aeroporto de Miami e entra na justiça para que o porteiro o chame de “doutor”; quem troca direitos por capacidade de consumo; quem sonega impostos e abomina as gambiarras e “gatos” das favelas; quem se queixa da falta de autoridade e do “jeitinho”, mas suborna o policial e espera que as legislações ambientais ou trabalhistas não se apliquem aos seus negócios; quem ainda se comporta como se estivesse com a caravela ancorada, sem nenhum interesse no país a não ser o lucro rápido para partir de novo, e então se queixa de um pais que não “vai para frente” – esses são os verdadeiros jecas do Brasil. A boa noticia é que, pelo menos por hora, eles estão perdendo.

(*) Rodrigo Nunes é doutor em filosofia pelo Goldsmiths College, Universidade de Londres, pesquisador associado do PPG em Filosofia da PUCRS (com bolsa PNPD – CAPES), e editor da revista Turbulence (www.turbulence.org.uk).

3 de novembro de 2010

Nordestinofobia

Reproduzo abaixo trechos do texto de Rodrigo Viana postado em seu blog, onde pode ser lido integralmente. É preciso pensar seriamente nessas coisas e também é preciso reagir.

Não ao fascismo!
Serra plantou ódio, e o Brasil colhe preconceito: as manifestações contra nordestinos na internet

publicada terça-feira, 02/11/2010 às 21:49 e atualizada terça-feira, 02/11/2010 às 22:51

O vídeo que reproduzo abaixo – e também na janela ao lado- é de revirar o estômago. [...]



A campanha conservadora movida pelos tucanos, a misturar religião e política, trouxe à tona o lodo que estava guardado no fundo da represa. A lama surgiu na forma de ódio e preconceito. Muita gente gosta de afirmar: no Brasil não há ódio entre irmãos, há tolerância religiosa. [...]

Como se vê no vídeo acima, não foi só a tal Mayara (estudante de Direito!!!) que declarou ódio aos nordestinos. Há muitos outros. Com nome, assinatura. É fácil identificar um por um. E processar a todos! O Ministério Público deveria agir. A Polícia Federal deveria agir.

[...]

Desde domingo, muita gente já fez as contas e mostrou: Dilma ganharia de Serra com ou sem os votos do Nordeste. Não dei destaque a isso porque acho que é – de certa forma – uma rendição ao pensamento conservador. Em vez de dizer que Dilma ganhou “mesmo sem o Nordeste”, deveríamos dizer: ganhou – também – por causa dos nordestinos. E qual o problema?

E deveríamos lembrar: Dilma ganhou também com o voto de quase 60% dos mineiros e dos moradores do Estado do Rio.E ganhou com quase metade dos votos de paulistas e gaúchos.

Parte da imprensa – que, como Serra, não aceita a derrota e tenta desqualificar a vitoriosa - insiste no mapinha ”Estados vermelhos no Norte/Nordeste x Estados azuis no Sul/Sudeste”. O interessante é ver - aqui - a votação por municípios, e não por Estados: há imensas manchas vermelhas nesse Sul/Sudeste que alguns gostariam de ver todo azulzinho.

No Sul e no Sudeste há muita gente que diz: “não ao ódio”. Se essa turma de mauricinhos idiotas quiser brincar de separatismo, vai ter que enfrentar não apenas o bravo povo nordestino. Vai ter que enfrentar gente do Sul e Sudeste que não aceita dividir o Brasil.

[...]

1 de novembro de 2010

"O mundo está falando, você está ouvindo?"

Esse é o slogan do Global Voices, que "procura agregar, selecionar e amplificar a conversação global online – iluminando locais e pessoal que outras mídias geralmente ignoram. Trabalhamos para desenvolver ferramentas, instituições e relacionamentos que ajudarão todas as vozes, em todos os lugares, a serem ouvidas."

Eles tem um projeto amplo de elaboração e tradução de textos. Saiba mais, divulgue, participe de redes que constroem outras paisagens no mundo da mídia.

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