14 de dezembro de 2011

Alegria

Este documentário é uma grande festa. Encontro de experimentadores como o entusiasmado e maravilhoso Tom Zé, ao lado de Júlio Medaglia, Arrigo Barnabé, Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos, Hermeto Pascoal, músico alagoano descrito por Medaglia como um bruxo deslumbrante. Reflexões importantíssimas para pensarmos a arte do nosso tempo e gravações raras de shows e entrevistas do acervo da TV Cultura. Dica de Ricardo Aleixo, que sempre nos faz pensar sobre sons e sentidos.


7 de dezembro de 2011

Hoje: 100 anos de Jorge Cooper


Deixo-me me levar hoje pelo ritmo da memória. Recupero imagens belas e comoventes de tardes de sábado na casa de Jorge Cooper. Conversas, leituras de poemas, o riso fácil do poeta,  o olhar vivo para tudo que falávamos ou mostrávamos a ele, o contraste entre a imobilidade de parte do corpo e a agitação das mãos longas, quando dizia algo. Alguém que manteve até o fim o entusiasmo pela vida, a disponibilidade para o diálogo. Saudades e alegria de ter vivido horas em tão rara companhia, em 1990, 1991, em sua casa, na qual ele, mesmo doente, recebia pessoas que partilhavam seu gosto pela poesia, ao lado da sua discreta e delicada estrela, para quem escreveu:


Se é certo que tem o homem
a vida ligada
a uma estrela
-- aquela mulher encarnava
a minha estrela
(Daí o medo sem-nome
que tinha eu de perdê-la)

-- Que morta ao homem
a sua estrela
torna-se o homem de todo infeliz
(Mais do que se morrera)

A memória é um dos temas centrais da sua poesia. Sobre as complexas relações que unem e separam viver, lembrar e contar, ele nos ensina em seu poema “Contrassenso”:

O que me acontece
e não digo
é como se não me tivesse acontecido

O contrário se me dá
se do que não acontece
falo
digo

Ou ainda no belo Poema II (do livro Os últimos):

À imortalidade
porque concedida
prefiro a encantação
por mim urdida

Faço-me encantar
dentro dos meus poemas
-- por toda a
e para além da vida

A poesia de Cooper vai abrindo espaço entre as palavras para o máximo de silêncio, resgatado na metáfora da garrafa vazia, no poema “Ricochete”:

A garrafa vazia
de tão limpa
deu-me a impressão de cheia d’água

-- Esse nada em minha vida ocorrida
dá-me hoje sua poesia em palavra 

Comovida, atendo ao seu pedido feito em versos, em “Poema” (do livro Os últimos IV):

Meus amigos
tenham saudades de mim
quando eu morrer

Tanta quanta a que
por antecipação
tenho eu de vocês
(morrerão vocês comigo
e viverei eu em vocês)

           Para citar outro Jorge, eu estou feliz porque também sou da sua companhia.

4 de novembro de 2011

Lúdico e Lúcido

Esse anagrama me ajuda a pensar o que pretendo quando leio, quando planejo as minhas aulas (que nunca são só minhas, são o que é possível no encontro incerto com o outro), quando escrevo. Fiquei muito impressionada com a fala de Viviane Mosé, no café filosófico. Indicação de Ondina Pena Pereira, que experimenta o pensamento em todos os sentidos, com todos os sentidos.  Vale apena ver este e todos os blocos desse Café Filsófico.



Lições de poesia, de filosofia, de pontos vários, sem a ilusão asfixiante de sentidos fixos, em movimento, à deriva, movimento contínuo em direção sem direção, busca da terceira margem, convite ao trânsito, sem âncoras ou porto.

30 de outubro de 2011

Das raízes para as rotas

Esta foi uma das sínteses feitas ontem  à noite, na Bienal do livro de Maceió, pelo pensador italiano Massimo Canevacci (que, aliás, refuta a definição por nacionalidade, pois se diz romano, brasileiro, algo chinês, múltiplo, híbrido, polifônico, marcado por todos os lugares onde andou e viveu). Ele propõe, entre muitas outras coisas, que deixemos de lado a miragem das origens, retomada pela metáfora gasta das raízes, e pensemos na imagem das rotas, convite para viagens.



Autor de livros como A cidade polifônica e Culturas eXtremas (cuja indicação devo a Gláucia Machado), Canevacci lançou ontem Fake in China, um relato superficial, como ele mesmo o descreve, da sua permanência de seis meses como professor em uma universidade privada chinesa. O título é referência e homenagem ao clássico filme de Orson Welles, F for fake.

Sua palestra começou às 20h30, em um espaço muito barulhento, mas, apesar das condições ambientais adversas, foi maravilhoso ouvir alguém que se pauta pela experimentação em suas pesquisas; alguém que pesquisa principalmente modos de pesquisar produções simbólicas que  problematizam radicalmente os consagrados/congelados modelos  acadêmicos. Um pesquisador em busca de novas rotas, que propõe aos que o ouvem não que o sigam, mas que empreendam também essa busca marcada pela deriva, pela errância.

Vale ainda lembrar que foi Sheila Canevacci, bailarina e pesquisadora, casada com Massimo, que desmontou a farsa de Mônica Serra, nas eleições acerca do aborto, ao dizer no Facebook que ficou chocada com a hipocrisia de Mônica, uma vez que a esposa do então candidato a presidente já havia partilhado em sala de aula na Unicamp, em que Sheila era aluna, a sua dolorosa experiência.

Um trecho de uma das muitas entrevistas de Canevacci (feita por Julia Aguiar, no Overmundo, que pode ser lida integralmente aqui):

No livro, A Cidade Polifônica, o senhor comenta a necessidade d’a gente entender “os valores e modelos de comportamento que a cidade inventa”. Você poderia explicar.

A cidade para mim é como se fosse um organismo subjetivo, vital, que absorve como uma esponja o que acontece e elabora a sua própria linguagem. Esse tipo de linguagem que a cidade, especialmente a área metropolitana elabora, influencia profundamente um tipo de comportamento das pessoas que moram nessa área metropolitana. Por isso, poderia se dizer que a linguagem da metrópole é baseada sobre lugares, espaços, e principalmente sobre interstícios, isto é, interstício, um espaço que está in between, que está entre, um espaço conhecido e um desconhecido. Esses interstícios, favorecem um tipo de linguagem, que é dialogicamente interlaçado com a linguagem do corpo. E a linguagem do corpo de cada pessoa, para mim, é muito diferenciada culturalmente e comunicacionalmente, mais que sociologicamente. Isto é, é mais uma auto-percepção comunicacional que diferencia essas pessoas que uma diferenciação sociológica. Esse tipo de diferenciação, baseada sobre um tipo de linguagem do corpo e o tipo de linguagem dos interstícios, favorece uma dialógica nova, baseada muito na hibridização e em sincretismos culturais, e sobre extrema mobilidade e fluidez. Essa mobilidade, fluidez e hibridização, é parte da experiência cultural, corporal, e também urbanística, da metrópole contemporânea. 

28 de setembro de 2011

Escrita não criativa e Bordado político

Kenneth Goldsmith, criador do UbuWeb, é entrevistado na ótima revista Select por  Giselle Beiguelman,  dois pesquisadores inquietos e surpreendentes pensando juntos. Kenneth fala sobre temas muito instigantes, como originalidade, plágio, incorporação, roubo, posse. O texto pensado de outros lugares. Relembro verso de Glauco Mattoso: "Ideia não tem dono, tem inquilino". 
Todos os textos de todos para todos, sem limites. Para pensar, para perder o medo de escrever nesse lugar, em que o texto se dispersa e o autor deixa de ser proprietário, para apagar a fronteira entre escrever e ler.
Dica, sempre bacana, de Tazio Zambi, nesta manhã nublada de quarta-feira.
Ainda na Select, que leio  de surpresa em surpresa nesta manhã, enquanto espero o sol para ir finalmente à praia.Bordado político, fios e tramas, várias e vários, nós, pontos, laçadas. vale a pena conhecer craftvismo, muito interessante. Eu pratico.



19 de setembro de 2011

A voz de Borges



O UBU,  o portal da alegria em suas linguagens mais experimentais e surpreendentes, traz agora a voz de Borges, apresentando suas belas palestras proferidas na universidade de Harvard. Elas fazem parte do projeto Norton lectures, instituído na década de 1920, que visa estimular a reflexão sobre "poetry in the broadest sense" (poesia em sentido amplo).   T.S. Eliot, e.e. cummings, John Cage, Umberto Eco, Octavio Paz, entre outros, também participaram desse projeto.
Borges esteve lá entre 1967-68. As suas palestras foram depois publicadas no livro maravilhoso Esse ofício do verso (Cia. das Letras, 2000). 
Aqui, no UBU, a voz de Borges, em inglês. É comovente.


Abaixo a primeira parte da última conferência que ele fez, em espanhol.



27 de agosto de 2011

Volta

Volto ao tema da educação, do qual nunca saio na verdade. Às vezes, dando voltas, como em uma brincadeira de roda, as melhores vezes; outras, voltando às velhas insatisfações, as piores vezes.
Agora volto ao blog e ao tema porque esta semana participei mais uma vez da formatura do curso de letras. E sempre fico pensando em tudo que vivi e vivo na área. O dois perigos que tento evitar, por mim e pelos outros: 1. a cela de aula, em que o autoritarismo planta o medo e paralisa qualquer possibilidade de experimentar e inventar o que estudamos; e 2. a sonífera aula, em que o medo é substituído pelo tédio e é também Medusa que petrifica. Prefiro as sandálias de Perseu, que nos levam para outros ângulos e nos tornam mais leves.
Encontrei dois vídeos interessantes sobre o tema, hoje, quando ainda estou sob o efeito  (bom e ruim) desta semana e desses anos de docência. São curtos, divertidos, instigantes, como penso devem ser as melhores aulas, ou seja, são pouco parecidos com o estereótipo de aula e escola que conhecemos.