26 de março de 2011

Morte é mote

Rir da morte. A lição docedura de Bandeira, em muitos poemas. A casa arrumada esperando a morte ou "Momento num café":

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes da vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

O poema de João Cabral sobre Clarice, "Contam de Clarice Lispector":

Um dia, Clarice Lispector
intercambiava com amigos
dez mil anedotas de morte,
e do que tem de sério e circo.

Nisso, chegam outros amigos,
vindos do último futebol,
comentando o jogo, recontando-o,
refazendo-o, de gol a gol.

Quando o futebol esmorece,
abre a boca um silêncio enorme
e ouve-se a voz de Clarice:
Vamos voltar a falar na morte?

300 mil poemas sobre morte. Não é sempre sobre morte? Tenho ouvido muito a Caixa Preta de Itamar Assumpção, principalmente os discos com as músicas inéditas, em que Itamar, já perto da morte, entrando e saindo de hospital para tratar do câncer, transformou a angústia em sons e ritmos. Fez o que mais sabia, deu alegria a seu público. Pensando, sofrendo, morrendo, sem perder o ótimo humor. Taí Anteontem (Melô da U.T.I.). Não encontrei nenhuma gravação na rede, se achar coloco depois. Por enquanto, vai a letra:

Hoje eu estou aqui
por sorte não por ser forte
Porque que sobrevivi, não sei
Sei que não foi blefe ou trote

Anteontem na UTI
Foi me visitar a morte
Mesmo sedado senti
Seu bafo no meu cangote

De susto quase morri
Deu pânico, quase entrei em choque
Quando nas mãos dela eu vi
Ao invés de foice, serrote

Disse vim te advertir
Somente pra dar uns toques
Burrice tentar fugir
Cuide-se bem, se comporte

Daí desandou a rir
Do cateter, rir do corte
Passou a se divertir
Me dando croque e mais croque

Quando resolveu partir
Entregou-me um passaporte
Gritou antes de sumir
"Além de servir de mote
Vim ajudá-lo a assumir de vez
O seu lado pop
Então é só decidir se morte é mote
Pra funk ou xote"


2 comentários:

  1. beleza, minha querida!
    ri melhor quem ri sempre.
    beijos, sem fim.

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  2. Oi, Gal, adorei a foto, e o cabelo novo ficou ótimo! Beijos em você, tão longe e tão perto, sempre.

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